Mary quando jovem.
A minha
amiga Mary Delaware é Juíza da Suprema Corte do Condado de Brunswick, nos
Países Altos da Nova Escócia, não sei bem onde isto fica, mas creio que deve
ficar bem ao lado dos Países Baixos da Velha Escócia. Mais exatamente entre a
Rocinha e o Vidigal.
A última vez
em que falei com Mary Delaware ela se queixava muito dos processos que chegavam
em suas mãos e das decisões, das sentenças que tinha que proferir. Eram
processos os mais variados. Ela estava revoltadíssima. Ela me dizia:
-Eu ganho
uma miséria. Coisa de trezentos mil euros por mês, isso não é nada, isso é uma
merreca, não dá nem pra auxílio moradia. E eu tenho mais o que fazer na vida. A
minha cabeleireira só tem um dia na semana em que ela pode me atender para
reformar a minha mecha. ( Vale dizer que ela tem uma linda mecha no cabelo. ) A minha manicure só me atende às terças feiras;
o meu ginecologista indiano só às quartas feiras... sim, eu tive um prolapso de
útero quando visitei a Penitenciaria do Condado ... eu tenho a semana toda
ocupada e essa gentalha pensa que eu tenho tempo pra ficar lendo, julgando,
emitindo sentenças...ora! Me poupem!
E ela
continuou - Há casos insolúveis, impossíveis de serem julgados. Por exemplo:
uma mãe me pede que libere um medicamento importado para o filho que tem uma
doença degenerativa. Como se o Tesouro do Estado pudesse gastar dinheiro com
doença de criança, ora, que é isto? Deixa a vida seguir. Cumpra-se a vontade de
Deus! Como eu sou cristã coloquei no fim da sentença: Tenha Fé!
Num outro
caso uma mulher grávida que ainda tem três filhos, cada um com um marido
diferente, pede que deseja cumprir a sentença em prisão domiciliar, só porque
ela está grávida e tem três filhos. Imagina se a gente for libertar todas as grávidas
que estão presas? Além do mais esse tipo
de gente é capaz de fazer filho na penitenciária só para engravidar pra ganhar
a liberdade. Mas...como eu sou progressista escrevi na sentença: “Lembre-se de
quantas crianças nasceram em Campos de Concentração Nazista da Alemanha e nem por
isso deixaram de se tornar Homens de Bem.
Num outro
caso uma senhora de 96 anos solicitou um habeas corpus, ou um novo julgamento,
por ter sido condenada a 4 anos por ter roubado um pacote de manteiga. Ora, minha
senhora: tenha pudor! Na sua idade já deve saber que 100 gramas de manteiga roubada
é crime tanto faz ser 100 gramas de manteiga como ser 1200 gramas de cenoura. Taquei-lhe
a sentença máxima para aprender e para servir de exemplo: quatro anos de
cadeia. E porque eu condenei a quatro anos? Porque sou uma pessoa do Bem, tanto que escrevi ao final da sentença: quatro
anos com noventa e seis são cem. imagine a alegria da sua família no dia da sua
saída da Penitenciária, justo no dia do seu centenário, todos cantando parabéns,
com doces e balas para a senhora!
Há também o
caso de um carvoeiro nojento que foi acusado do roubo de dois patinhos e foi
condenado a doze anos de cadeia. Ele recorreu. Ele só quer ser preso depois de
ter recorrido e perdido na última instância. Eu escrevi :o que o senhor está
pensando que isto aqui é? Uma linha de trem? Que vai julgando de estação em
estação até a última estação...não acaba nunca?! Pare com isso, meu senhor, o
Tribunal não é uma agência de turismo. Não! Pode parar! Pode parar por aí mesmo,
na sua estação, na que nós estamos. Desce ele algemado e já manda pra cadeia.
Vai roubar dois patinhos na casa do cacete!
E para cúmulo,
veja você, uma mãe me pediu que
condenasse um policial que havia assassinado um adolescente num auto de resistência.
Procurei saber! Procurei saber! Abri um inquérito: morava onde este pequeno
criminoso? Num cortiço! Era branco? Caucasiano? Não! Ora, essa gente é toda perigosa
...o pobre do policial estava em serviço, apenas se protegendo, porque ele é um
ser humano, ele tem família, ele tem filhos...ele ganha uma miséria. Aí sentenciei
para a mãe: Indeferido. A senhora por acaso é policial? Não é! Sabe o que é ser
um policial? Não sabe! E muito provavelmente o seu filho se meteu na frente da
bala, ele é o culpado pela própria morte. Essa gente pobre adora se jogar na
frente de bala. E finalizei a sentença de forma magistral: Se não está satisfeita vá se queixar ao bispo!
Pois não é que esta safada desta mãe entrou com embargo perguntando: qual
bispo?
- Qualquer um
minha senhora. O primeiro bispo que a senhora encontrar vai lá se queixar. Eu não
tenho nada a ver com isso. Passe muito bem!
Aí, nesse
momento, meus amigos, a competente operadora deixou cair o sinal de rede e não
nos falamos mais – Mary e eu - mas
terminei a conversa com a clara sensação de que Mary Delaware, Juíza da Suprema Corte do Condado de Brusnwick
nos Países Altos da Nova Escócia é realmente uma juíza exemplar e justa. Daqui
mando um abraço:
-Um abraço, Mary! Sua mecha está linda!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe um comentário.