26 junho 2011

CENAS DE UMA DITADURA 15 – AS TIAS VERMELHAS 02


A outra “tia” era Nair Busmayer, paranaense de Curitiba.

 Quando Nair ainda morava no Paraná era comum ela hospedar e dar guarida a Marighella, Prestes, e muitos outros companheiros do Comitê Central. 

Também por sua casa passavam e se hospedavam muitas vezes as companhias teatrais que iam a Curitiba. Entre eles: Paulo Goulart e Nicete Bruno, Vanda Lacerda , André Villon e tantos outros.
Nair era casada com um oficial reformado do Exército: o “Avô” como o chamávamos. 

Presidente e fundadora da Casa Brasil-Cuba, era amiga de Che Guevara , de Fidel, e sempre muito bem recebida em Cuba.
Morava também a apenas algumas centenas de metros de Tia Helena, na Estrada da Porteira, Pixunas, hoje , Bancários.

O que diferenciava Tia Nair da Tia Helena era a impetuosidade da primeira. Enquanto Helena era prudente e calma, Nair era atirada e agitada. Durante as passeatas contra a Ditadura, pegava pelas mãos as duas netas, então uma com nove   e outra com dez anos e as levava às ruas:

-“Está na hora dessas meninas aprenderem a luta” . Dizia.

Sua casa também estava sempre de portas abertas, e cheia de jovens da ilha.

Jogávamos buraco com o avô, que não era militante, mas na sua ciência da paz  apoiava silenciosamente tudo o que a avó fazia.

Eu particularmente a chamava de avó. Mais próximo pela idade que estava das netas que dos seus dois filhos, ambos também comunistas.

A avó era tão agitada que aos quase oitenta anos foi fazer faculdade de jornalismo e acabou presidente do DA.

Entrou para as Bandeirantes da Ilha, que se reuniam na Base Naval dos Fuzileiros, apenas para saber o que  se passava nas dependências militares e “fazer a cabeça das jovens bandeirantes” como ela dizia.

O nome de guerra da avó era Rosa. A companheira Rosa.

Altiva até mesmo quando o Exército invadiu sua casa em 1964, e ela velava a agonia da sua neta a mais  nova das três, que morria de leucemia, enquanto o avô era levado para depor, pois fora encontrada uma espada ( a sua de oficial do Exército ) em casa, logo era uma arma.

O avô nos deixou primeiro, e ela , bem depois ,  já com mais de oitenta anos ainda arranjou um namorado: um pescador idoso da Colônia de Pesca  Z-1  da Ilha. Um trabalhador. Até no novo amor fora fiel à sua ideologia.

A avó faleceu  aos 87 anos de idade. Deixou um exemplo de luta, perseverança, dignidade  e espírito humanista.

Imaginem a dor de uma avó, vendo sua neta moribunda sobre uma cama e o Exército revirando a casa.
Enfrentou a tudo com muita altivez. 

Grato Tia Nair. Vó Nair.

23 junho 2011

CENAS DE UMA DITADURA - 14 - AS TIAS VERMELHAS 01



Não sei se  a garotada de hoje tem nos mais velhos as  referências de lutas e incentivo, mas na minha juventude tínhamos contato direto com antigas militantes revolucionárias. Senhoras que nos davam muito apoio , carinho e incentivavam nossa  luta. Quer por seu exemplo de vida, quer  pelo  apreço que tinham por nós.

Eram as chamadas “tias” do Partido.

Na Ilha do Governador tínhamos duas  “tias”  muito notáveis. Todas  duas participavam do Partido desde a Revolta Comunista de 1935.Helena e Nair. Hoje falarei sobre Helena. No próximo ,sobre Nair.
Helena Germano, enfermeira do hospital Paulino Werneck, morava  no bairro das Pixunas – hoje Bancários, e era também a  enfermeira de todos os moradores do bairro.

Com o médico João Ramos de Oliveira, também comunista,  formavam uma solida base de assistência médica na ilha do Governador. Sobretudo na favela do Morro do Dendê.

Fora casada com Edgar Germano, militante também comunista e que falecera meses após o golpe , por depressão diante da perda da Democracia. Restou-lhe o filho Edgar, grande amigo e companheiro também.

Tia Helena viveria até bem mais que 90 anos. E sempre foi muito querida e respeitada por todos nós. Morreu membro do Partido a que sempre pertenceu.

Quase aos 90 anos ainda  saiu candidata a vereadora pelo PCB do Rio de Janeiro.

Tia Helena era famosa por sempre ter a geladeira e o armário cheio de doces para nos oferecer. Pausada, comedida, prudente foi um dos grande exemplos para a nossa juventude.

Toda a juventude do Partido, além de sua atenção e carinho, recebia dela assistência de saúde.

Naquele  tempo a blenorragia era mais que uma patologia, era uma medalha no peito dos jovens machos. Era motivo de orgulho o adolescente dizer que tinha pegado “gonorréia”. Isso era sinônimo de que ele havia tido uma, ou mais, experiências sexuais. Tinha se tornado "macho  adulto". Muito engraçada a cultura da época.

Ganhei a minha gonorréia. Meu troféu. Pausa na luta contra a Ditadura. Uma baixa temporária na batalha.

Procurei o Dr. Ramos e ele – primeiro médico no Brasil a trabalhar diretamente com a Dra. Ana Aslan, da Romênia  - num papel de embrulhar pão passou-me  a receita: 2.500.000 de unidades de Benzetacil . Ele não deixava por menos, prevenia a possibilidade  de sífilis futuras.

As farmácias da Ilha reconheciam as receitas de Dr. Ramos até em tiras de papel higiênico se ele as emitisse assim.

Comprado o remédio, onde tomar? Tal quantidade deveria ser tomada misturada ao soro, aos poucos.
Fui para a casa de Tia Helena, e ela, enfermeira de lutas, improvisou com um cabide e um cabo de vassoura um pedestal para o soro, e lá fiquei eu, deitado na sua cama, regredido diante do seu carinho maternal,  tomando benzetacil gota a gota, com a oralidade infantil agradada por docinhos e comidinhas inesquecíveis, cercado pelo carinho daquela lutadora cuja memória honra todos que lutam até hoje pela bem da humanidade.

Tia Helena  e o Dr. Ramos já nos deixaram, a Direita continua aí nos incomodando, mas blenorragia ou sífilis nunca mais me ameaçaram.

Bendita, Helena Germano

18 junho 2011

CENAS DE UMA DITADURA - 13 - O "BOIOLINHA" E A RESISTÊNCIA FRANCESA

Havia na Ilha três cinemas: o Guarabu, o Ribeira, e o Cine Itamar.Este,  na Freguezia.  
O Itamar ficava na Avenida Paranapuan. Nos fundos dele, na rua de trás, a Chapot Prevost, ficava o curso da Aliança Francesa na Ilha do Governador. 

A entrada oficial era por esta rua. A do cinema era entrada dos fundos . 

O Curso era Dirigido pela Professora Anne Marie. Uma francesa, que havia participado ativamente da Resistência Francesa,  casada agora com um professor da UNB.

A casa da Aliança era sua residência e também a sede do curso. Acabou virando aparelho para reuniões e preparação de tarefas na luta contra a Ditadura.

Íamos pra lá à noite, e os papos regados a vinho, cigarros, vodka, cigarros,  e tudo   mais,  rolavam até de manhã.

De lá preparávamos pichações, panfletagens...grande companheira a Anne Marie. Há alguns anos atrás soube que ela mudara para Miguel Pereira, RJ, onde , seguindo  Cândido , de Voltaire, cultivava seu jardim.

Uma  tarde quando eu voltava para casa, cruzou comigo a viatura D-99 da Polícia. As viaturas do DOPS naquele tempo tinham a numeração de D-90 a D-99.

Intuí que a viatura estava indo prender Anne Marie, voltei , entrei pelos fundos do cinema, e com esta carinha inocente da foto pude ver os policiais entrando pela frente.

Eles bateram pela porta da frente eu pela dos fundos. Entramos juntos na Aliança.

Pude confirmar que realmente estavam lá para prender Anne Marie.

Cena: Anne Marie no meio, entre eu e os policiais. Aí eu bem “ingênuo” com voz de “anjinho” disse: 

-“Minha mãe mandou avisar á senhora que hoje eu não posso vir à aula de tarde porque vou ao médico com ela”.

Cumprimentei os policiais, como se fosse normal ver aqueles brutamontes por lá e saí.
Boca no trombone:

“-Anne Marie foi presa!!” 

Corre –corre em toda a Ilha. Advogados, contatos. À noite já a haviam liberado. Queriam saber do marido, que estava em Brasília dando aulas. 

Os policiais sequer imaginavam os fatos reais.  Para eles ela era apenas uma senhora respeitável,  professora de francês.

Eu ? Um boiolinha que apareceu por  lá pra levar um recado da mãezinha.

Próximo: AS VELHAS “TIAS”  COMUNISTAS

HORÓSCOPO DE HOJE - 18/06 - TOURO


Calma, paciente, carinhosa, você é a tranquilidade em pessoa. Os amigos te chamam de Ideli Salvatti  II , A Missão.

 Difícil alguém conseguir tirá-la do sério, mas também, quando consegue....você fica engraçadíssima. Kiakiakia

Você demora a ficar brava, mas quando fica, é pra valer. (Igual a todo  mundo.)

 Na maior parte do tempo(51%), porém, é uma pessoa generosa, amigável e preocupada com as pessoas que ama. Já na menor parte do tempo (49%) é egoísta, avara, invejosa, venenosa, e  tá cagando pras pessoas que te amam

 Além disso, possui uma grande sensibilidade, talentos artísticos e muito bom gosto. Na verdade  “Bruna Surfistinha” é seu pseudônimo literário.  Mais um livro assim e você vai fácil pra Academia de Letras.

Pode ser um tanto possessiva, apegada às coisas e pessoas.  Lembra quando sua tia-avó faleceu? Você levou dois meses agarrada ao cadáver e não deixava ninguém enterrá-la.

Adora comer e precisa tomar cuidado para não engordar mais, o pessoal daqui a pouco vai estar te chamando de Rolha de Poço.

Aproveite a noite de sábado para se distrair: reúna alguns companheiros da esquerda radical na sua casa,  e discutam até de manhã  se a Campanha da Vacinação contra o Sarampo deve ter Sigilo Eterno.

16 junho 2011

CENAS DE UMA DITADURA - 12 - O DIA DO GOLPE . CHOVIA NO RIO

31 de março de 1964. As tropas de Juiz de Fora rebeladas marchavam para o Rio. O golpe em marcha.
A CGT – Confederação geral dos Trabalhadores, cometera o equívoco de convocar greve geral. Com isso não havia transportes públicos disponíveis no País. Os pobres, e os jovens,  que apoiavam o governo não tinham como se locomover.

As notícias eram  muito confusas. Como Secretário da Base da Ilha tive que me deslocar a pé por grandes distâncias para fazer os contatos com os militantes. Chovia muito, havia lama nas ruas, a mesma lama que os militares traziam para a democracia brasileira.

Informaram que na Base dos Fuzileiros Navais, no bananal, o Almirante Aragão ia distribuir armas ao povo. E lá fomos nós, em busca das armas. Na porta da Base muita gente, mas nada de armas....e o dia se passou neste vai e vem pela chuva , a pé...

No dia 1º de abril o Golpe já estava vitorioso. Pra mim, até hoje esta é a data certa do Golpe: 1º de abril. 

Estava frio,  e naqueles dias trágicos compus o poema:

PARA ELISA (uma companheira de Del castilho)

O frio cai cinzento
Sobre a cidade
Alquebrada pelo jugo militar
Como cai o chumbo derretido
Sobre
O ponto quebrado metal:
Desaba,  e espraia-se.
 Entranha-se
No coração da gente
Mortificando-a.
As pessoas desfilam pelas calçadas:
a face triste, o rosto baixo.
É perigoso levantá-lo demais:
As baionetas podem arrancar-nos o nariz.
Também é preciso pisar com prudência:
 As minas podem explodir sob nós.
Que fazer?
Se nos subtermos, feneceremos.
Se nos sublevarmos: morreremos.
E nessa dúvida, angústia,
Só nos resta a certeza da vida:
Quente como o chumbo derretido
Que desaba
Sobre o ponto quebra do metal.

Próximo: A Alliance Française, da Ilha,  e a Resistência

15 junho 2011

BLOG CHEGA A CEM MIL ACESSOS

Não há como controlar a feliz/idade com meu blog.

Em poucos meses, sem maiores pretensões que um canal diário de expressão, o www.blogdobemvindo.blogspot.com atinge hoje 100.000 acessos.

Agradeço a todos que me seguem, a todos que me lêem, opinam, discordam, concordam, acrescentam, ou se divertem com o que escrevo.

Quando entrei na campanha por Dilma não imaginei que faria tantos amigos, que reencontraria tantos companheiros, que me sentiria tão vitalizado como encontro-me hoje. 

Após a campanha, ao criar o blog, tornei-me membro d euma grande família de irmãos e irmãs, sobrinhos, afilhados, netos, companheiros, e até cunhados. Kiakiakia.

A Reação que se roa.

Só tenho a agradecer a todos os que fizeram do meu blog, e da Rede Liberdade estes veículos libertários que são hoje.

Um abraço, e vamos para os 200.000.

CENAS DE UMA DITADURA - 11 - PCB OU PCdoB?


Precisávamos de uma sala para reunir o pequeno grupo de agitadores e criar o Centro de Estudos Sociais... Foi quando o José Fernandes, um dos jovens, deu a idéia de procurarmos nas redações dos jornais de esquerda da época.

E  fomos nós em direção ao Edifício Santos Vahlis, no Centro. No saguão do prédio  decidimos a linha política:

-“Aqui  tem o “Novos Rumos” e tem a “A Classe Operária”. Em qual vamos pedir  a sala? Disse ele.

Perguntei:
-“Qual a diferença?”

- “Novos Rumos” é a favor da União Soviética e da coexistência pacífica. É do PCB. Já “A Classe Operária” é a favor da China e pela Revolução Socialista. É do PCdoB.”

A mim, tanto fazia.  PCB ou PCdoB naqueles tempos não me dizia nada. Mas eu, que sempre fui muito do radical, resolvi:
-“Vamos à “A Classe Operária!”

Quando chegamos lá em cima, na sala, havia três “velhos” sentados, conversando. Depois vim saber que eram: Maurício Grabois, Pedro Pomar e João Amazonas. O Comitê  Central do PC do B  estava em reunião e nem imaginávamos o que fosse aquilo.

Grabois e Pomar eram vistosos e brilhantes. Já o Amazonas era pequeno e sem brilho,  passava desapercebido na multidão.

Perguntaram o que desejávamos, explicamos e nos levaram para uma salinha contígua,  para a nossa reunião, enquanto eles ficaram numa conversa sussurrada na outra sala. Sussurros que naturalmente deveriam estar definindo a continuidade do Partido e a “Revolução Brasileira”.

E eu lá, café com leite puro , no que tangia aos meandros partidários.

Claro que na segunda reunião já estávamos cooptados pelo PCdoB.

E eu junto. Lá ia eu,  Pinóquio novamente, em meu caminho de tornar-me gente.

Assim criamos a base da Ilha do Governador, Rio,  que foi do PC do B até perdermos total contato com o Partido Comunista do Brasil - que  à época não chegava a 50 militantes no Rio de Janeiro – após o golpe militar.

Com a criação e militância da base afastei-me da UBES, o que me livrou do incêndio, e postergou minha detenção.

Próximo: O DIA DO GOLPE. CHOVIA NO RIO.

14 junho 2011

CENAS DE UMA DITADURA – 10 – O MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO DE VARGINHA : MOLIVAR

Naquele ano de 1963 eu já estava totalmente convertido ao socialismo. De espírita, tornara-me ateu. Tinha ainda 15 anos. Mas a leitura do livro “Dois Mundos” e o assédio diário dos comunistas varginhenses sobre mim tornaram-me um militante do “temido  e revolucionário” Movimento Libertador de Varginha: MOLIVAR. 

Pra dizer a verdade eu nem sabia o que era aquilo. Eu era o verdadeiro Et de Varginha.  Sabia do socialismo, vagamente e de mais nada. Mas estava junto. 

Lembro-me que uma noite levaram-me para ouvir  a palestra de um camarada que vinha de Belo Horizonte discutir o Plano trienal de João Goulart.
O que podia entender disto um jovem de 15 anos?

Mas lá estava eu.

Aos dezesseis anos, em 1963 após a morte da minha mãe e uma breve moradia em Elói Mendes com meu pai, voltei ao Rio. Levava no bolso uma carta datilografada, sem timbre, em papel de seda azul, em nome do MOLIVAR apresentando-me à União Brasileira de Estudantes Secundários, a UBES, no Rio de Janeiro. 

Cheguei, dei meu tempo no Rio , fui à UBES , apresentei-me com a carta  e no dia seguinte já era Diretor de Organização Política e  Administrativa da UBES. Tão simples...

Mas eu não entendia nada. Era um “café com leite”no meio de todas aquelas organizações clandestinas que pululavam na UBES.

Mas eu estava lá. Lembro-me de um rapaz paraense que me procurou um dia pedindo apoio para a criação da Quadrinhobrás. Seu projeto era lutar por  uma empresa estatal para as histórias em quadrinhos brasileiras. Seu nome? Maurício de Souza. 

Fiquei na UBES até ás vésperas do golpe militar de 64. A maioria dos Diretores iam sempre pra um tal de “ativo” (reunião de Partido, só depois vim saber) e ninguém me chamava.

Como não gostava de burocracia acabei me interessando mais pela agitação e propaganda nas ruas do Rio. Fazia grandes agitações políticas no “senadinho”  como era chamada a esquina  da Rua da Assembléia com Avenida Rio Branco,  e também na esquina do Hotel Serrador na Cinelândia.
E  foi assim, que com um pequeno grupo de agitadores resolvemos estudar a “realidade política brasileira” de forma organizada. A UBES não me seduzia. 

Procurando um lugar para estudar a “realidade política”,  acabamos nos reunindo, sem saber,  no Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.  O PCdoB.  

Eu estava dentro do Partido, no Comitê Central, e nem sabia.

Próximo: NOVOS RUMOS, OU A CLASSE OPERÁRIA?

13 junho 2011

CENAS DE UMA DITADURA - 09 - "SOU ESPÍRITA!"


-“Sou espírita!!”

Disse com voz firme ao Irmão Reitor dos Maristas de Varginha, MG, onde estudava interno em 1962.

Nem era espírita, mas detestava ter que acordar às seis da manhã e ir à missa antes sequer do café. Uma ladainha em latim, no frio matinal  de Varginha, sob a rígida vigilância de  todos os Irmãos.

Então achei uma solução para não ir: proclamar-me espírita, e invocar meu direito constitucional.
Isto aos 14 anos.
A Escola acatou, mas me acordava do mesmo jeito e me deixava sozinho do lado de fora da capela até a missa acabar. Pior a emenda que o soneto.

(Retorno a 1962 para até eu mesmo entender como começou minha  militância política.).

Com essa coisa de proclamar-me espírita, não bastava ser espírita, tinha que parecer espírita. 
Aos domingos o Colégio me liberava para ir ao culto espírita. Onde? Eu, vindo do Rio, estudando interno numa cidade mineira...mas eu tinha que ir...agora era manter minha conquista libertária de fugir do latinório.

Acabei encontrando pessoas espíritas na cidade. Senhores idosos, todos maçons,  que estavam tentando reconstruir e reabrir o Centro Espírita Humildade e Caridade, na Rua Rio de Janeiro. Por sinal a mesma rua da luz vermelha: a Zona de Meretrício. A Luz vermelha eu não sei, mas o Centro continua lá até hoje. Inclusive com a farmácia para pobres, que criei.

Juntei-me  a eles,  e era o caçula da turma.

Todos os domingos lá ia eu,  e muitos mais,  levar alimentos doados aos pobres da cidade. O que havia sido um ato de rebeldia contra a  o ritual católico transformou-se na minha primeira ação social coletiva.

Afinal, Centro pronto, reinaugurado, eu era jovem demais para fazer parte da Diretoria. Fui eleito Presidente da Mocidade Espírita de Varginha, e por conseqüência  membro da Diretoria Regional da Mocidade Espírita de Minas Gerais.

Que situação! Mas era um aprendizado. Comecei ali a tomar conhecimento da miséria que nos cercava.

Até que num domingo, caminhando pela Praça do Cemitério, fui abordado por dois cidadãos: Garrone e Célio Segundo Salles . Disseram que me observavam, de longe, que compreendiam meu altruísmo mas que eu precisava saber  que havia formas mais profundas de se combater a miséria e a fome. Que havia um país no mundo onde a miséria havia acabado... e que o Homem podia resolver a História sem precisar de Deus...e deram-me para ler o livro “Dois Mundos” que relatava como era a União Soviética.

Pinóquio estava sendo levado, seduzido, ao Circo do Strombolli. Mal sabia eu...

Agora sim, no próximo post:  “O MOVIMENTO D E LIBERTAÇÃO DE VARGINHA”