23 maio 2016

A Mulher, e Ninguém Mais é Dono do Seu Corpo




Quando se é criança o mundo tem uma magia toda especial. Cheiros, gostos, luzes... que irão se perdendo à medida em que nos tornamos adultos.
Não tenho prova científica mas afirmo que o olfato infantil, por exemplo, detecta odores que passam desapercebidos a nós adultos.
Pois foi nesta meninice, num subúrbio do Rio que meu olhar infantil viu,  sonhando acordado, uma realidade diversa à dos adultos.
Tínhamos uma vizinha muito simpática. Generosa mesmo.  Dona Eurídice. Um amor de criatura, para mim. Mãe de um amiguinho meu. Apenas um muro de um metro e pouco separava nossos quintais e jardins.
Dona Eurídice era uma santa para mim. Muito prestativa. Minha mãe me  dizia que ela era uma parteira. E eu ficava maravilhado por saber que a mãe do meu amiguinho trazia bebês ao mundo.
Cresci , o mundo permaneceu o mesmo, mas meu olhar mudou. Vim perceber que a querida Dona Eurídice não era parteira coisa nenhuma, era “aborteira”. Procurada por mocinhas das mais diversas classes sociais que desejavam livrar-se, por várias razões, da vida que traziam no ventre.
Nem por isso Dona Eurídice deixou de ser para mim uma pessoa querida. Prefiro continuar a vê-la com meus olhos do menino de ontem , e a pensa-la hoje com meu juízo de adulto.
Dona Eurídice já partiu deste mundo, fez a sua parte. Mas  centenas de mulheres continuam morrendo em todo o Brasil, todos os meses, pelas mãos  de “parteiras” como Eurídice, e pela letra da Lei patriarcal, que nega tais mulheres à busca de soluções à margem da Sociedade, criminalizadas e  correndo riscos .

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe um comentário.