05 fevereiro 2011

A ARTE PELO DINHEIRO

Delírio romântico de um sábado com tosse.


Cada dia  mais me convenço que a arte é dádiva, doação.
Recebemos a inspiração num insight e em seguida a transformamos em arte para dádiva e doação, aos que dela vão desfrutar.
Num sistema competitivo pelo sucesso e pelo dinheiro, a busca pela inspiração -  que pressupõe silêncio; quietude; humildade;  paz ciência... cede lugar ao burburinho e grasnar das produções artísticas das mais vazias; para consumo imediato, e que não buscam sequer sublimar a humanidade em sua função.
Produz-se “arte” como tênis; batatas-fritas, ou pneus; para o marketing de empresas, e para o bolso dos captadores que compreendem como ninguém os meandros das tais leis. Especializaram-se em prometer aos mercadores, o seu quinhão.
No contemporâneo campo do humor não poderia ser diferente.
A juventude que faz humor , com raras exceções,  lança-se desesperada no único valor que lhe sobrou pós ditadura: o dinheiro, o sucesso e a fama imediatos e  a qualquer preço.
Mesmo que o preço seja um humor vazio, descompromissado com o social e o político, mesmo que o humor seja tão reacionário capaz de fazer rir ao Bolsonaro, seus familiares e afins.
Este humor, como a arte e a ciência para consumo, não permanece. Quem se lembrará dele daqui a alguns tempos?
Quantas matérias “científicas” você leu nesta semana sobre obesidade, enfarto, avcs, colesterol, sistemas planetários, amebas etc. etc..
Diga agora, sem pestanejar, que peça de besteirol você viu ou se lembra? Uma? Duas no máximo? Vai lembrar-se apenas das que foram feitas inspiradas na doação ao próximo e não na busca do dinheiro e do sucesso.
A arte enquanto doação retornará doações. Uma alma – anima -  percorre este mundo das doações.
Esta anima - feminina, mater  criadora, gestadora - não espera gratidão ou retribuições.
Apenas explode em criatividade. E tudo mais lhe é dado em medida calcada e recalcada.
O dinheiro e o sucesso são mercuriais, quanto mais se tenta pega-los mais eles fogem de ti.
Que desespero para os individualistas: dinheiro e sucesso são conseqüências de conquistas afetivas, afeto que vem do ato generoso da doação, da dádiva, do que recebemos de Graça e por Graça repassamos.
E viva o Barão de Itararé,  cujo humor o dinheiro não apagou.

2 comentários:

  1. Essa discussão rola também no campo do esporte quando vc vê o Neto e o Ronaldo Gordo... é mais ou menos da mesma forma, quem fazia por dedicação e amor e quem faz apenas pelo dinheiro.

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  2. "Esta anima - feminina, mater criadora, gestadora - não espera gratidão ou retribuições.
    Apenas explode em criatividade."

    Criatividade é uma via de mão dupla: ela é a própria expressão da individualidade e ao mesmo tempo é o único caminho para a auto-descoberta. Nessa constante viagem para dentro e fora de si descobrimos quem somos, construímos caráter, fortalecemos auto-domínio, auto-estima e inevitavelmente estendemos esse processo de extrema liberdade pessoal para patamares mais abrangentes como o social e o político... tudo pelo simples processo de criar! Talvez por isso exista na minha geração essa dificuldade de sonhar a longo prazo, em detrimento de vender-se por qualquer preço que garanta retorno fácil e imediato a quaisquer comportamentos pré-determinados: não se sabe o valor que se tem... não se sabe quem se é e cada vez menos essa viagem interior é empreendida. Talvez por isso a baixaria generalizada na TV... talvez por isso o desencanto político... e, quem sabe, talvez por isso exista cada vez menos originalidade no que se convencionou chamar de arte por aí...

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