07 abril 2017

Memórias 3 - O Ford Bigode




Meu pai não dirigia. Em compensação contratava sempre um taxista – talvez o único de Faria Lemos (MG) para viajarmos pela região.

Era um terror para mim. Tratava-se de um Ford, o chamado Ford Bigode fabricado por volta de 1927/1930.  Capota de lona, janelas cortinadas, e bancos de couro.
Para arrancar o carro necessitava  girar uma manivela à frente do motor, aí dava-se o arranque e podíamos seguir viagem.

As rodas eram muito frágeis e havia sempre correntes para elas nos tempos de chuvas. As estradas viravam lamaçais que provocavam atoleiros e então colocava-se estas correntes nas rodas que impediam o carro de atolar. E quando ainda assim atolava ficávamos hora esperando o carro de bois da fazenda mais próxima para tirar o fordeco do mingau marrom onde estava afundando.

Mas duas coisas me enjoavam muito no carro:  a nuca do motorista – Chico Volante era chamado -  que eu no banco de trás via sacolejar por todo o trajeto. Ele era um tipo avermelhado, e tinha tido varíola, então sua nuca além de uma cor estranha para mim tinha muitos buracos. Aquilo aliado ao cheiro do couro dos assentos e ao cheiro oleoso da lona e ainda somado ao cheiro desagradável do capim melado da beira das estradas era meu terror, um enjoo que me revirava as entranhas. 

O que era pra ser uma viagem agradável, um passeio pelos campos era “une saison a l’enfer” ( “Uma temporada no Inferno”) parodiando Rimbaud.

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