Escondido na Lapa - tendo por dicotômica companhia, putos e muçulmanos - saio para um dos meus passeios matinais , "disfarçado" pelo Aterro.
Meu tio passa de carro, reconhece-me e vem até mim. Convence-me a voltar para casa. Garante-me que nada acontecerá. Que basta que eu me apresente ao DOPS e tudo se resolverá.
Naquele tempo os interrogatórios policial-militares duravam às vezes até três dias seguidos, ininterruptos.
Procurei o grande médico do Partido: Dr. João Ramos de Oliveira, hoje nome de um CIEP na Ilha do Governador. Ele me entregou uma ampola de Pervitin, “bolinha” pesada, para que eu tomasse antes do interrogatório e pudesse ficar alerta, não ser vencido pelo cansaço.
Na hora aprazada, acompanhado de meu advogado, Dr. Villaverde, cheguei na esquina da rua da Relação, num botequim em frente ao DOPS, e pedi um cafézinho. Quebrei a ampola e coloquei no café. Bebi, e subimos ao terceiro andar para apresentação e interrogatório.
O advogado não podia acompanhar o depoimento. Fiquei numa sala com os detetives Solimar – um rato raivoso, e Boneschi - um ogro violento. Lá pelas tantas, como eu relutasse em responder, o Boneschi me deu um belo cascudo na nuca que doeu até o dia seguinte. E ainda trouxeram dos porões o cenógrafo Leo Leoni completamente desfigurado pela tortura para saber se eu o conhecia. Claro que o conhecia, do Teatro Jovem de Botafogo. O choque foi muito grande. O rosto do Leo era uma pasta disforme, empapado em sangue. Neguei que o conhecesse. E sua apresentação a mim salvou-lhe a vida, pois até então ninguém sabia que ele havia sido preso. Mais tarde ao sair de lá informei da sua prisão e eles não puderam assassiná-lo.
Com muito jeito, e fazendo-me passar pelo que realmente era: um adolescente quase inofensivo consegui enrolá-los. Passei como um menino fantasioso, com uma pequena organização ainda mais adolescente que eu, e que me comprometia a trazer todos os membros para que eles conhecessem e dessem o processo por encerrado liberando a todos já que pelo meu depoimento não passávamos de um bando de crianças brincando de “resistência democrática”. Afinal ainda estávamos em agosto de 1964, ainda havia habeas –corpus, ainda se respeitava menores de idade.
Assim saí de lá bem mais cedo do que esperava.
Aí o Pervitin começou a fazer efeito. Só então. Em toda a sua potência.
Um horror! Peguei o ônibus para a Ilha. Uma hora de viagem do Centro à Freguesia, onde morava. Em pé no ônibus lotado, às sete da noite eu queria saltar e correr pela Avenida Brasil. O ônibus era muito lento.Tudo muito lento, meu coração aceleradíssimo. Eu chapado de Pervitin dentro do coletivo, no engarrafamento. Um inferno! Foi pior que o interrogatório. (rs)
Só fui dormir no dia seguinte por volta do meio dia. Quando o efeito passou. Nunca mais na vida provei do tal “Pervitin”.
Próximo: A BELA FUTURA ATRIZ VIROU UMA FERA E DESAFIOU A REPRESSÃO.
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